RECURSO – Documento:7051221 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5010905-42.2024.8.24.0018/SC PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5010905-42.2024.8.24.0018/SC DESPACHO/DECISÃO J. N. D. G. propôs ação declaratória na Vara Única da Comarca de São Carlos contra o réu Banco Pan S.A (evento 1, da origem). Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, adota-se o relatório da sentença recorrida (evento 45, da origem), por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis: [...] Trata-se de ação proposta por J. N. D. G. contra BANCO PAN S.A., a qual tem por conteúdo pretensão declaratória e condenatória.
(TJSC; Processo nº 5010905-42.2024.8.24.0018; Recurso: recurso; Relator: ; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7051221 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5010905-42.2024.8.24.0018/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5010905-42.2024.8.24.0018/SC
DESPACHO/DECISÃO
J. N. D. G. propôs ação declaratória na Vara Única da Comarca de São Carlos contra o réu Banco Pan S.A (evento 1, da origem).
Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, adota-se o relatório da sentença recorrida (evento 45, da origem), por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis:
[...] Trata-se de ação proposta por J. N. D. G. contra BANCO PAN S.A., a qual tem por conteúdo pretensão declaratória e condenatória.
Em sua petição inicial (EVENTO 1.1), a(s) parte(s) ocupante(s) do polo ativo alegou(aram), como fundamento da pretensão, que: (a) não formalizou(aram) contrato(s) de empréstimo pessoal consignado, de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), nem de cartão consignado de benefício (RCC) com a(s) parte(s) ocupante(s) do polo passivo; (b) constatou(aram) descontos no(s) seu(s) benefício(s) previdenciário(s), efetuados pela(s) parte(s) ocupante(s) do polo passivo a título de crédito consignado; (c) a(s) conduta(s) da(s) parte(s) ocupante(s) do polo passivo atingiu(ram) os seus direitos da personalidade. Formulou(aram) pedido(s) para declaração de inexistência de relação jurídica e/ou de débito, restituição em dobro dos valores descontados do(s) seu(s) benefício(s) previdenciário(s) e fixação de compensação por danos morais.
O processo foi remetido a este juízo da comarca de São Carlos/SC (EVENTO 10).
A(s) parte(s) ocupante(s) do polo passivo apresentou(aram) contestação (EVENTO 16.2) em que aduziu(ram), como questão(ões) prévia(s): (a) a ausência de interesse de agir; (b) a inépcia da petição inicial; (c) a ausência de procuração com poderes específicos; (d) a prescrição da pretensão. No mérito, alegou(aram) que: (a) a(s) contratação(ões) foi(ram) regular(es); (b) a(s) parte(s) ocupante(s) do polo ativo foi(ram) cientificada(s) sobre os termos do(s) contrato(s); (c) o(s) contrato(s) foi(ram) assinado(s) pela(s) parte(s) ocupante(s) do polo ativo; (d) não é devida a restituição de valores; (e) não há dano moral a ser compensado; (f) é incabível a inversão do ônus da prova. Discorreu(ram), ainda, que a(s) parte(s) ocupante(s) do polo ativo merece(m) ser sancionada(s) por litigância de má-fé. Requereu(ram) a improcedência do(s) pedido(s).
Na decisão de EVENTO 21 foi: (i) deferida a gratuidade da justiça; (ii) esclarecido que o ônus da prova é invertido pela própria lei (exceção legal à regra prevista no artigo 373 do Código de Processo Civil), independentemente da atuação do juiz, porquanto a pretensão se fundamenta em alegação de fato do consumo (defeito do produto ou do serviço); (iii) dispensada a audiência conciliatória.
Houve réplica (EVENTO 27).
As partes foram intimadas para especificação de provas.
Na decisão de EVENTO 38 foi esclarecido que o(s) pedido(s) comporta(m) julgamento antecipado, porquanto há no processo substrato probatório suficiente para a formação do convencimento do julgador acerca da matéria (artigo 355, inciso I, Código de Processo Civil) e, em consequência, eventual(is) requerimento(s) de produção de outras provas apresentado(s) pela(s) parte(s) foi(ram) indeferido(s).
Sentenciando, o Juiz de Direito Edipo Costabeber julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
[...] DISPOSITIVO
Julgo procedente(s) em parte o(s) pedido(s) formulado(s) por J. N. D. G. contra BANCO PAN S.A., para:
I - Reconhecer a irregularidade e a ilicitude da(s) contratação(ões) e, como consequência, declarar a inexistência de débito referente ao(s) seguinte(s) contrato(s) de crédito consignado: contrato de empréstimo pessoal consignado n. 313913187-8, ligado(s) ao(s) benefício(s) previdenciário(s) n. 133.959.587-4 da(s) parte(s) ocupante(s) do polo ativo, em que figura(m) como instituição financeira concedente a(s) parte(s) ocupante(s) do polo passivo.
II - Condenar a(s) parte(s) ocupante(s) do polo passivo na obrigação de restituir à(s) parte(s) ocupante(s) do polo ativo, na forma exposta no item 3.2 da fundamentação, os valores descontados do(s) benefício(s) previdenciário(s) desta(s) com base no(s) contrato(s) cuja irregularidade foi reconhecida na presente sentença.
Julgo improcedente(s) o(s) pedido(s) formulado(s) por J. N. D. G. contra BANCO PAN S.A. para compensação por danos morais.
Por conseguinte, extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Indefiro o pedido formulado pela(s) parte(s) ocupante(s) do polo passivo para condenação da(s) parte(s) ocupante(s) do polo ativo em multa por litigância de má-fé.
Irresignado, o Banco Pan S.A. interpôs apelação (evento 54).
Sustenta, preliminarmente, cerceamento de defesa, sob o argumento de que o juízo indeferiu diligência probatória necessária à comprovação do saque do valor supostamente creditado.
No mérito, aduz: (i) prescrição quinquenal, com termo inicial a partir da contratação; (ii) validade do contrato e regularidade formal, alegando que foi assinado a rogo pela filha do autor, com testemunhas; (iii) afastamento da restituição em dobro, por engano justificável e ausência de má-fé; (iv) compensação de valores supostamente creditados; e (v) readequação dos honorários de sucumbência.
Com contrarrazões (evento 60), ascenderam os autos a esta Corte.
É o relatório.
Decido monocraticamente, amparada no art. 932, III e VIII, do Código de Processo Civil e no art. 132 do Regimento Interno do , uma vez que a matéria em apreço está pacificada em precedentes desta 7ª Câmara de Direito Civil.
Sobre os poderes do relator transcrevo as lições de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
O relator tem poderes para dirigir o processo (arts. 932, I, VII e VIII, 933 e 938, CPC), para decidir questões incidentais (art. 932, II e VI, CPC) e para decidir o próprio recurso em determinadas situações (art. 932, III, IV e V, CPC). Nesse último caso, trata-se de expediente que visa a abreviar o julgamento de recursos inadmissíveis, compatibilizar as decisões judiciais e racionalizar a atividade judiciária. A Constituição não determina o juiz natural recursal. O Código de Processo Civil, no entanto, define o juiz natural recursal como sendo o órgão colegiado do tribunal a que compete o conhecimento do recurso. Nesse sentido, o relator, alçando mão do art. 932, CPC, apenas representa o órgão fracionário - a possibilidade de decisão monocrática representa simples delegação de poder do colegiado ao relator. O relator tem o dever de julgar o recurso monocraticamente, preenchidos os requisitos inerentes à espécie, porque aí estará prestigiando a autoridade precedente (arts. 926 e 927, CPC) e patrocinando sensível economia processual. [...]. O relator deve exercer seus poderes de ofício, independentemente de requerimento de quaisquer das partes (Novo código de processo civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 997 - grifei).
Preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
A controvérsia gravita em torno da validade do contrato de empréstimo consignado impugnado na presente ação, cuja existência e regularidade formal foram negadas pelo autor J. N. D. G., pessoa idosa e analfabeta, desde a petição inicial, com fundamento na inobservância do art. 595 do Código Civil, que exige assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas idôneas.
1. Da prescrição
Inicialmente, no que se refere à alegação de prescrição, o apelante sustenta a extinção parcial do feito, sob o argumento de que o contrato teria sido firmado em 2017, razão pela qual as parcelas anteriores ao quinquênio que precedeu o ajuizamento da ação (08/01/2024) estariam alcançadas pela prescrição, nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.
Defende, ainda, que o prazo prescricional deve ser computado individualmente a partir de cada desconto, e não do último, aplicando-se, por analogia, a teoria das prestações sucessivas.
Sustenta, por fim, que a parte autora teve ciência imediata dos descontos mensais realizados em seu benefício previdenciário, motivo pelo qual sua inércia configuraria a chamada supressio, a impedir o exercício do direito à restituição.
Sem razão.
Em se tratando de relação de consumo envolvendo contrato de empréstimo consignado, aplica-se o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Além disso, o termo inicial da contagem deve corresponder à data do último desconto efetuado indevidamente.
No caso concreto, conforme demonstram os extratos previdenciários juntados ao evento 1 (“DOCUMENTACAO8”), os descontos indevidos permaneceram até fevereiro de 2024, de modo que, quando do ajuizamento da presente ação, em 08/01/2024, sequer havia transcorrido qualquer fração do prazo prescricional quinquenal.
A propósito:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ALEGAÇÃO DE DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS ALEGADAMENTE NÃO FIRMADOS PELA PARTE AUTORA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITOU A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INICIAL. RECURSO DA PARTE RÉ. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO TRIENAL. INSUBSISTÊNCIA. RELAÇÃO SUBMETIDA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRETENSÃO FUNDADA EM SUPOSTO FATO DO SERVIÇO. INCIDÊNCIA DO PRAZO QUINQUENAL DO ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO OPERADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. PRAZO PRESCRICIONAL NÃO CONSUMADO NA HIPÓTESE. TESE DE APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. QUESTÃO NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO JUÍZO SINGULAR. INOVAÇÃO RECURSAL. INSURGÊNCIA NÃO ADMITIDA NO PONTO. INTERLOCUTÓRIO MANTIDO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5082583-74.2024.8.24.0000, do , rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 11-03-2025).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ALEGAÇÃO DE DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS ALEGADAMENTE NÃO FIRMADOS PELA PARTE AUTORA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITOU A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INICIAL. RECURSO DA PARTE RÉ. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO TRIENAL. INSUBSISTÊNCIA. RELAÇÃO SUBMETIDA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRETENSÃO FUNDADA EM SUPOSTO FATO DO SERVIÇO. INCIDÊNCIA DO PRAZO QUINQUENAL DO ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO OPERADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. PRAZO PRESCRICIONAL NÃO CONSUMADO NA HIPÓTESE. TESE DE APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. QUESTÃO NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO JUÍZO SINGULAR. INOVAÇÃO RECURSAL. INSURGÊNCIA NÃO ADMITIDA NO PONTO. INTERLOCUTÓRIO MANTIDO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5082583-74.2024.8.24.0000, do , rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 11-03-2025).
Diante do exposto, afasta-se integralmente a tese de prescrição, inclusive em sua forma parcial, porquanto não configurada a perda da pretensão reparatória. Superada a preliminar, passa-se ao exame do mérito recursal.
2. Da validade contratual
À controvérsia posta em debate incidem os preceitos da legislação consumerista para evitar o desequilíbrio em relação à parte autora, porquanto manifesta a sua condição de vulnerabilidade.
Nas suas razões recursais, o apelante sustenta a ausência de ato ilícito, sob o argumento de que a contratação é válida e houve a efetiva utilização do serviço.
Sobre a forma de responsabilização do apelante, assim dispõe o art. 14 do CDC:
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Logo, a questão deve ser analisada sob a ótica da responsabilidade civil objetiva, na medida em que a configuração do dever reparatório vai prescindir da comprovação do elemento subjetivo na conduta da fornecedora.
Em outros termos, para caracterização da obrigação indenizatória, basta a demonstração de existência de dano e de nexo de causalidade entre este e a conduta do agente. Satisfeitos tais pressupostos, o apelante arcará com os prejuízos ocasionados à consumidora.
Na espécie, em que pese os argumentos suscitados pelo apelante a respeito da regularidade da contratação, o acervo carreado aos autos não faz prova de suas alegações.
É incontroverso que o autor é analfabeto, conforme documentos juntados com a inicial (evento 1, RG e declaração). Nessas hipóteses, o art. 595 do Código Civil impõe forma especial, exigindo assinatura a rogo de terceiro e a subscrição de duas testemunhas idôneas.
O contrato apresentado pela instituição financeira contém apenas a impressão digital do autor e duas assinaturas de testemunhas, sem qualquer menção a assinatura a rogo. O banco sustenta que o documento teria sido assinado a rogo pela filha do autor, mas o instrumento contratual não identifica tal fato, tampouco demonstra a condição de representante legal ou autorização formal para a prática do ato.
A filiação, por si só, não confere poderes de representação, e a ausência de instrumento de mandato ou autorização expressa inviabiliza a validade da assinatura realizada em nome de terceiro, ainda que familiar.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DESCONTO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONSUMIDORA QUE É IDOSA E ANALFABETA. NECESSIDADE DE ASSINATURA A ROGO E POR 2 (DUAS) TESTEMUNHAS. ARTIGO 595 DO CÓDIGO CIVIL. VULNERABILIDADE DO DIREITO À INFORMAÇÃO IMPOSTA NOS ARTIGOS 6º, INCISO III E 46 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REQUISITO ESSENCIAL DE VALIDADE. RECONHECIMENTO DA NULIDADE QUE SE IMPÕE, COM O RETORNO DAS PARTES AO ESTADO ANTERIOR. REPETIÇÃO DO INDÉBITO A SER EFETIVADA NA FORMA SIMPLES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DEVER DE INDENIZAR BEM EVIDENCIADO. DANO MORAL CARACTERIZADO. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, ApCiv 5003566-59.2020.8.24.0022, 5ª Câmara de Direito Comercial , Relator para Acórdão JÂNIO MACHADO , julgado em 29/04/2021 - grifou-se)
Além disso, não há prova de que o contrato tenha sido lido em voz alta ou explicado de forma clara ao consumidor, o que viola o dever de informação previsto no art. 6º, III, do CDC.
Assim, correta a sentença ao reconhecer a nulidade do contrato e a inexistência de relação jurídica entre as partes.
3. Do alegado cerceamento de defesa
Destaca-se, ademais, que inexiste cerceamento de defesa na hipótese. Isso porque, o magistrado de origem oportunizou às partes a especificação de provas e fundamentou o indeferimento daquelas que reputou desnecessárias, com base no art. 370 do CPC.
A instituição financeira não logrou demonstrar de que forma a prova pretendida (expedição de ofício ao INSS para comprovar suposto saque de valores) seria apta a modificar o desfecho da demanda. Além disso, a controvérsia é eminentemente formal, relacionada à validade do contrato diante da condição de analfabetismo do consumidor - e não à veracidade material de uma assinatura.
Assim, o julgamento antecipado da lide não configurou violação ao contraditório ou à ampla defesa.
4. Da restituição dos valores
Em relação à restituição dos valores pagos, destaca-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao julgar os Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 664.888/RS, instaurado para solver conflito de interpretação entre a Primeira (Direito Público) e Segunda (Direito Privado) Seções, fixou a seguinte tese jurídica em 21-10-2020:
A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.
Ou seja: "reconhecer a irrelevância da natureza volitiva da conduta (se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o consumidor, para fins da devolução em dobro a que refere o parágrafo único do art. 42 do CDC, e fixar como parâmetro excludente da repetição dobrada a boa-fé objetiva do fornecedor para apurar, no âmbito da causalidade, o engano justificável da cobrança".
Na mesma sessão, os ministros promoveram a modulação temporal dos efeitos da decisão, assim deliberando:
22. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados.
23. Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão.
A publicação do acórdão se deu em 30-3-2021.
Válido destacar, ainda, que a presente controvérsia restou afetada em 14-5-2021 pela Corte Especial do STJ no Resp n. 1.823.218/AC (Tema 929) para se estabelecer um precedente qualificado e "possível reafirmação da jurisprudência firmada pela Corte Especial do STJ, em 21/10/2020", com determinação de suspensão dos processos "somente após a interposição de recurso especial ou agravo em recurso especial".
Portanto, a despeito da mudança de entendimento decorrente do julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 664.888/RS, a jurisprudência firmada ainda não possui efeito vinculante.
Somado a isso, por se tratar de discussão envolvendo particulares (não pública), necessário atentar que o novo entendimento firmado pelo STJ só tem aplicação aos valores cobrados após a data da publicação do acórdão, ocorrido em 30-3-2021.
Assim, os valores descontados indevidamente anteriores a 30/03/2021 devem ser restituídos na forma simples, enquanto os posteriores a essa data devem sê-lo em dobro, com incidência de correção monetária e juros desde cada desconto, nos exatos termos definidos na sentença.
Logo, não há qualquer alteração no ponto.
5. Da alegada compensação
O pedido de compensação formulado pelo banco também não comporta acolhimento.
Embora o apelante afirme ter creditado determinada quantia na conta do autor, não há nos autos prova idônea e contemporânea capaz de demonstrar o efetivo repasse do valor correspondente ao contrato impugnado. Os comprovantes juntados se referem a operações diversas, sem correlação temporal ou numérica com o negócio objeto desta demanda.
Desse modo, inexiste suporte fático e jurídico para autorizar a compensação pretendida. Admitir a dedução de quantias não comprovadas equivaleria a instituir compensação presumida, hipótese incompatível com o ônus probatório atribuído ao réu pelo art. 373, II, do Código de Processo Civil.
Ademais, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a simples alegação de crédito não comprovado não autoriza compensação, por ausência dos requisitos de liquidez e certeza exigidos pelo art. 368 do Código Civil.
Por derradeiro, a sentença fixou os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação e procedeu à distribuição proporcional dos ônus sucumbenciais, em estrita observância ao disposto no art. 85, §§ 2º e 14, do Código de Processo Civil. O percentual arbitrado mostra-se adequado à natureza e à complexidade da demanda, ao zelo profissional e ao trabalho desenvolvido pelos patronos das partes, não havendo descompasso que justifique sua revisão.
Diante do desprovimento do apelo, e considerando que a sentença já fixou honorários de sucumbência em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação em favor do patrono da parte autora, majoro tal verba para 17% (dezessete por cento), nos termos do art. 85, §11, do Código de Processo Civil, em razão do trabalho adicional em grau recursal.
Mantêm-se inalterados os honorários fixados em favor do patrono da parte ré, por ausência de recurso da parte contrária.
Diante do exposto, conheço do recurso e nego provimento, mantendo a sentença recorrida.
Custas legais.
Publique-se. Intimem-se.
assinado por HAIDÉE DENISE GRIN, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7051221v11 e do código CRC 2deda948.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HAIDÉE DENISE GRIN
Data e Hora: 16/11/2025, às 11:38:14
5010905-42.2024.8.24.0018 7051221 .V11
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 12:40:46.
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